Prevenção na Demência: fatores de risco modificáveis

29 de março de 2021

Diminuir risco de demência

Apesar de o número de pessoas com Demência estar em progressivo crescimento a nível mundial, a incidência da doença – número de novos casos surgidos numa determinada população, num determinado intervalo de tempo – tem diminuído em muitos países, sobretudo nos países desenvolvidos, o que pode ser explicado por melhorias na Educação, Nutrição, Cuidados de Saúde e mudanças no Estilo de Vida.

Com isto, é primordial analisar os possíveis fatores de risco modificáveis para demência, o que pode contribuir para estratégias de prevenção, intervenção e cuidado com eficácia demonstrada, com o objetivo principal de promover o bem-estar e qualidade de vida das pessoas mais velhas.

Foi isso que fez a Lancet Commission – revista médica que se tem esforçado por tornar a ciência amplamente disponível para que a medicina possa servir e transformar a sociedade, com impacto positivo na vida das pessoas – em dois artigos publicados em 2017 e 2020.

Fatores de risco modificáveis

Foram identificados 12 fatores de risco modificáveis que têm impacto significativo em cerca de 40% das demências de todo o mundo, que poderiam assim, teoricamente, ser prevenidas ou adiadas no tempo. Tal como se pode verificar na imagem abaixo, os fatores modificáveis são:

– No início da vida: baixa educação (7%);

– Entre os 40 e os 65 anos: perda de audição (8%), traumatismo cranioencefálico (3%), hipertensão (2%), consumo excessivo de álcool (1%), obesidade (1%);

– Mais de 65 anos: tabaco (5%), depressão (4%), isolamento social (4%), inatividade física (2%), poluição atmosférica (2%) e diabetes (1%).

Estes fatores de risco influenciam, por um lado, a reserva cognitiva – resistência do cérebro a alterações – e, por outro lado, o desenvolvimento neuropatológico – doenças do cérebro e sistema nervoso.

Fatores de risco modificáveis na demência

Assim, a prevenção da Demência pode resultar, por um lado, do aumento e manutenção da referida reserva cognitiva e, por outro lado, da redução do dano neuropatológico.

Vamos então olhar para cada um dos fatores de risco supramencionados, para o impacto de cada um deles, e para possíveis estratégias, ao alcance de todos, para podermos reduzir os seus impactos.

Educação

A baixa escolaridade pode contribuir em 7% para o desenvolvimento de demência na velhice. Um dado interessante que pode ser partilhado é o facto de as mulheres, histórica e culturalmente com níveis de escolaridade mais baixo – o que felizmente tem vindo a modificar-se nas gerações mais recentes – terem uma maior probabilidade de desenvolver Demência, comparativamente com os idosos do sexo masculino. O impacto da baixa escolaridade manifesta-se, sobretudo, na menor reserva cognitiva.

Assim, é fundamental que se desenvolvam políticas que promovam o acesso à educação de qualidade para todos, dado que a estimulação cognitiva é fundamental para a manutenção da capacidade cognitiva geral e, assim, de diminuição de risco de demência.

Sugestão de atividades associadas à manutenção da capacidade cognitiva: viajar, passeios sociais, aprender/tocar um instrumento musical, ver/criar arte, atividade física, falar uma segunda língua ou resolver problemas.

Perda auditiva

Por sua vez, a perda auditiva aumenta em 8% – fator de risco com maior peso – o risco de Demência, que pode resultar em declínio cognitivo devido a estimulação reduzida.

Sugestão: comprova-se que o risco é minimizado em adultos idosos que fazem uso de aparelho auditivo, que pode funcionar como protetor de declínio cognitivo.

Traumatismo Cranioencefálico

Este fator de risco pode definir-se como concussão cerebral, fratura do crânio, edema, lesão cerebral ou sangramento e pode aumentar em 3% o risco de Demência e de doença de Alzheimer, risco esse que aumenta com o número de traumatismos e severidade dos mesmos.

Atividades de risco para traumatismo cranioencefálico que requerem maior cuidado e proteção: possibilidade de acidentes de carro, mota ou bicicleta, exposições militares, boxe, passeios a cavalo ou outros desportos recreativos, uso de armas de fogo e quedas.

Hipertensão

A tensão arterial elevada – sistólica superior a 130 mm/Hg – e persistente na meia idade (por volta dos 55 anos) associa-se a um risco de 2% para desenvolvimento de Demência.

A diminuição da tensão arterial na velhice pode não significar ausência de risco, mas sim estar associada e ser potencialmente causada pelo desenvolvimento de doença neurodegenerativa.

Consumo excessivo de Álcool

 O abuso de bebidas alcoólicas está comprovadamente associado a modificações cerebrais e declínio cognitivo e demência.

A relação entre Demência e álcool é particularmente clara no que diz respeito à Demência de início precoce – antes dos 65 anos de idade – sendo que mais de 50% das pessoas que desenvolvem a doença nesta faixa etária tendem a ter, no seu historial clínico, patologia de adição ao álcool.

Beber mais do que 21 unidades de álcool por semana pode estar associado a um risco maior para Demência. E o que significa isto na prática? Significa beber mais de 14 latas de 350ml de cerveja, mais de 21 copos de 90ml de vinho e mais do que 9 doses de 50ml de destilados, por semana.

Controlo do peso e Obesidade

A Obesidade – Índice de Massa Corporal (IMC) maior ou igual que 30 – está também associada a um risco aumentado para Demência.

Uma perda de peso de 2kg ou mais em pessoas com IMC superior a 25 (Excesso de Peso) associa-se a melhorias significativas nos domínios da atenção e memória.

A dieta Mediterrânica ou Escandinava podem ajudar na prevenção do declínio cognitivo, particularmente se forem uma componente de um estilo de vida mais saudável.

Tabaco

Os fumadores têm maior risco (5%) de desenvolvimento de Demência, bem como de morte prematura, que faz com que morram antes de atingir a idade de desenvolver a doença.

Parar de fumar, mesmo na velhice, reduz significativamente o risco.

Depressão

Também a Depressão está associada à incidência de Demência na velhice. Assim, um episódio depressivo ao longo da vida aumenta o risco da doença, sendo que o uso de antidepressivos não parece reduzir este risco.

É também parte do início do desenvolvimento de Demência, estando presente nas fases iniciais da doença.

Isolamento Social

O risco de Demência é superior em pessoas que vivem mais tempo sozinhas ou viúvas. Assim, a sociabilização é um fator protetor, que promove a reserva cognitiva e encoraja comportamentos benéficos. Pessoas casadas tendem a ter maior contacto social, o que se associa a um melhor funcionamento cognitivo na velhice.

Sugestão: A facilitação de encontros e discussão de temas em grupo associa-se a uma melhoria na função cognitiva global e a um aumento no volume do cérebro.

Inatividade física, exercício e fitness

Há um aumento da incidência de Demência, nomeadamente de Doença de Alzheimer, em pessoas fisicamente inativas nos 10 anos antes ao diagnóstico, isto se houver a presença de uma doença cardio-metabólica concomitante (obesidade, diabetes ou hipertensão arterial).

Assim, a prática de exercício físico associa-se a uma redução do risco, bem como a proteger do diagnóstico da doença de Alzheimer.

Sugestão: a prática de atividade física moderada a intensa, a durar cerca de 45-60 minutos por sessão, em adultos cognitivamente normais e de idade superior a 50 anos, pode levar a melhorias cognitivas significativas. Exercícios aeróbicos mostram efeito superior (exemplos como subir ou descer escadas, caminhar ou correr, dançar, pedalar ou nadar).

Poluição Atmosférica

Apesar de menos ao nosso controlo, cabe a cada um de nós controlar em parte a poluição atmosférica por nós provocada. Partículas poluentes transportadas pelo ar estão associadas a pior saúde, acelerando processos degenerativos através de doença cerebrovascular e cardiovascular.

Partículas como PM 2.5, dióxido de azoto e monóxido de carbono associam-se a um aumento de risco de Demência.

Diabetes

É o último fator de risco aqui mencionado para Demência, sobretudo Diabetes de Tipo 2, que se associam a um risco superior para a doença. Este risco aumenta com a duração e gravidade da Diabetes.

Assim, podemos concluir dando algumas dicas práticas, quer para decisores políticos, quer para as pessoas na sua generalidade. Para os decisores políticos, é primordial o desenvolvimento de medidas para priorização da educação para todas as crianças, iniciativas de saúde pública que visem a minimização de riscos de lesões na cabeça – sobretudo no desporto – bem como diminuir o consumo de álcool e tabaco, iniciativas que promovam o controlo da pressão sanguínea, bem como acelerar medidas para a melhoria da qualidade do ar, sobretudo nas regiões com maior poluição atmosférica. Já para as pessoas em geral, aconselha-se que mantenham atividade cognitiva, física e social ao longo do ciclo de vida, em caso de perda auditiva, procurem utilizar aparelhos auditivos, e procurem adotar estilos de vida mais saudáveis, com vista a reduzir os riscos de desenvolvimento de Demência. 40% dos riscos são modificáveis!

Nunca é cedo ou tarde demais para prevenir a Demência.

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